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A solidão me persegue desde a infância, pensou Alberto à medida que se lembrava dos tempos em que se isolava em seus pensamentos enquanto os outros meninos brincavam de empinar pipas, rodar peões e jogar bolas de gude. Naqueles dias Alberto havia encontrado um refúgio que lhe permitia ter a companhia apenas de seus pensamentos. O acesso ao telhado do prédio era fechado por uma grade de ferro, mas logo o menino franzino descobriu que conseguia se esgueirar por entre as barras e ganhar acesso aquele lugar que se tornou um ponto de encontro consigo mesmo. Ali ele pensava na vida, procurava esvaziar a mente e, por várias vezes se colocava de pé no parapeito se perguntando que aconteceria se caísse daquela altura. Alberto cresceu e não conseguia passar mais pela grade. Passou a se refugiar dentro de si mesmo. Estas lembranças estavam soterradas no passado há mais de vinte anos, o que teria levado Alberto a se colocar novamente no parapeito, desta vez a 72 metros de altura, pensando novamente no que aconteceria caso seu corpo atingisse o chão?

 

A ideia de uma saída fácil, uma pílula mágica que em um instante resolvesse definitivamente todos os problemas era tentadora. Um salto para a liberdade; livre da solidão, do desamor, da tristeza, da angústia, daquele peso que insistia em tomar o lugar do seu coração. A ideia era tão boa e confortante que alguma coisa lhe dizia que havia algo de errado nela. Isso fez com que, apesar de não ser particularmente religioso ou espiritualizado, Alberto tivesse ainda naquele telhado de sua infância, assumido o compromisso com ele próprio de jamais desistir. Ele racionalizava: se há um sentido para a vida, como saberemos qual é se não a vivermos? Se a vida é feita de batalhas diárias, que mérito há em desistir? Se não temos alguém que nos ama, isto nos impede de oferecer amor?

 

O que Alberto não sabia é que a solidão exacerbada, a vontade de se isolar que ele sentia não era a causa, mas sintoma de uma doença que lhe corroia silenciosamente e da qual ele não tinha, ou não queria ter, conhecimento. O orgulho era seu fiel companheiro nos momentos em que ele se isolava, e se travestia de timidez em seus relacionamentos diários. Este tipo de isolamento é diferente daquele praticado, por exemplo, pelos iogues que se isolam por terem a consciência de que o mundo externo não os sustenta, mas sim o amor pleno obtido no contato com Deus. E ao retornar do isolamento eles dividem este sentimento com todos em sua volta. Como ensina o mestre Ramatís, a solidão é algo que o egoísta diz possuir por não encontrar pessoas que sejam como ele quer, porque ele não deseja se modificar e melhorar para encontrar e se expor às pessoas de forma humilde.

 

No topo do edifício os pensamentos fervilhavam, os questionamentos se multiplicavam, até que um grito o despertou. Um segurança chamava sua atenção por estar em local de acesso restrito. Alberto inventou uma desculpa e saiu dali o mais rápido possível. Sua busca por respostas teria que continuar em outra hora e local. Ao sair do elevador, apressado e ainda tentando voltar a pensar no trabalho, esbarrou fortemente em uma moça que aguardava junto à porta. Tomada de surpresa, a reação dela foi de indignação. Como alguém em sã consciência saía do elevador atropelando as pessoas daquele jeito? Só podia ser um louco ou imbecil, dizia ela. 

 

Muito sem graça, Alberto só conseguiu pedir desculpas em um tom de voz quase inaudível na esperança de sair daquela situação o mais rápido possível. Porém, ao olhar para o rosto daquela moça aconteceu algo que ele não conseguia explicar. Ela não era especialmente bonita, mas possuía algum tipo de encanto que prendeu sua atenção.

 

Os dias foram se passando e eles não voltaram a se encontrar. Vez por outra ele se pegava pensando nela. Mal sabia ele que aquele encontro marcaria o início de um processo de mudança tão forte que se pudesse viajar no tempo e encontrar o Alberto mais velho, não se reconheceria. Seria um processo doloroso de autodescobrimento, aprendizado e mudança. Muitas dúvidas e lágrimas ainda o assaltariam até que ele tivesse consciência de quem é, enxergasse seus erros e trabalhasse para se modificar. Sofia teria um papel fundamental na construção desta história. Porém ele jamais poderia esperar que fosse da forma como aconteceu.

 

 

Por Kenedy Araújo

A solidão como companhia

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